Uma pesquisa inédita revela um aumento de até 46% na taxa de homicídios nos estados onde há disputa pelo comércio de drogas entre ao menos duas das três maiores facções criminosas do país: PCC (Primeiro Comando da Capital), CV (Comando Vermelho) e a FDN (Família do Norte).
O estudo é a tese de doutorado de Stephanie Gimenez Stahlberg, pesquisadora na Universidade de Stanford (EUA) e doutora em relações internacionais pela Universidade Johns Hopkins (EUA). "As facções aumentaram a sua presença em diversos estados e municípios, e a competição pelas rotas do tráfico de drogas empurrou o nível de violência para patamares nunca alcançados na história do Brasil", diz.
Segundo a pesquisa, no período entre 2004 e 2020, a taxa de homicídios nos estados em que as três facções brigavam ficou em 41 para cada 100 mil habitantes.
Considerando o país como um todo, a taxa de homicídios chegou a 30,3 para cada 100 mil habitantes em 2016 e subiu a 31,6 em 2017, no auge da guerra de facções criminosas, segundo dados do Atlas da Violência. Em 2018, a taxa baixou a 27,8. No ano seguinte, para 21,5.
"Outros fatores influenciam as taxas de homicídios, sem dúvidas. Mas este estudo consegue demonstrar de maneira clara que a dinâmica entre as facções é um fator importante. Quando há competição porque nenhuma facção predomina, um aumento da presença de crime organizado eleva a taxa de homicídios", afirma a pesquisadora.
Stephanie cita em seu estudo que essa guerra de facções ficou intensa após o rompimento do acordo de paz entre os grupos, em 2016, que aumentou o número de mortes no país nos anos seguintes.
O estudo utilizou dados do Google Trends API, que consiste na proporção de buscas no Google sobre as facções, para cada estado e ano, desde 2004 até 2019. Dados do Google Trends são frequentemente usados em outras áreas de pesquisa, por exemplo para rastrear a propagação de doenças infecciosas.
Os dados ainda foram comparados com informações do MP-SP (Ministério Público de São Paulo) sobre o número estimado de integrantes do PCC em cada estado nos anos de 2016 e 2018.
No centro das discussões sobre a segurança pública está a relação entre a violência e o tráfico de drogas. As alternativas para lidar com as drogas ilícitas e o aparato ilegal que garante o seu comércio vão da repressão à legalização e são alvo de acaloradas discussões.
O mercado internacional de cocaína movimenta bilhões de dólares anualmente e, no Brasil, alimenta o crime organizado, facções que comandam o comércio de drogas, inclusive de dentro dos presídios. Comunidades vulneráveis controladas por traficantes se transformam em áreas de alta criminalidade como está acontecendo nos municípios do país.
Por ser uma substância ilícita que tem uma demanda permanente e crescente, e por ser altamente rentável, esses grupos brigam entre si pelo monopólio de áreas e geram todas as cenas de violência que a gente observa – observou Andrea Gallassi, pesquisadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas da Universidade de Brasília (UnB).
Ou seja: o poder financeiro do tráfico está na base do problema e uma solução para o problema da escalada do crime passa por cortar as fontes de recursos de grandes traficantes.
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