O suicídio é uma questão de saúde pública que provoca mais de 700 mil mortes por ano em todo o mundo, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde). Além de ações governamentais que tornem mais acessíveis tratamentos com especialistas, como psicólogos e psiquiatras, campanhas como o Setembro Amarelo, o mês de prevenção do suicídio, tentam desestigmatizar o tema.
Karen Scavacini, psicóloga, CEO, idealizadora e cofundadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio
Mudar a narrativa em torno do suicídio é uma urgência inadiável no campo da saúde mental. A campanha global do Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, promovida pela IASP (International Association for Suicide Prevention), em 10 de setembro, nos convida a refletir sobre como abordamos este tema tão complexo e delicado. No Brasil, o Setembro Amarelo se tornou uma referência para conscientização, mas é necessário questionar se ele está cumprindo seu propósito e se precisamos repensar sua forma de atuação e abrangência.
Ao longo dos anos, o Setembro Amarelo ganhou visibilidade, mas também trouxe à tona críticas sobre o risco de se transformar em uma campanha de marketing vazio, com pouca efetividade nas ações de longo prazo. É hora de revisarmos o impacto dessa iniciativa, de entendermos se o uso de símbolos e mensagens superficiais realmente contribui para a mudança que desejamos ver: uma sociedade mais consciente e preparada para lidar com o sofrimento psíquico.
Precisamos perguntar: o que realmente muda no cotidiano das pessoas ao verem um laço amarelo em um outdoor ou em uma postagem nas redes sociais? Estamos, de fato, promovendo um diálogo aberto, honesto e contínuo sobre saúde mental? As pessoas que precisam estão de fato recebendo ajuda para a fonte de seus sofrimentos, sejam eles de acesso a direitos básicos, questões financeiras, violências sofridas e outras causas para além da saúde mental? E quando elas precisam, há locais suficientes de ajuda?
Além disso, o foco em um único mês pode dar a falsa impressão de que a prevenção ao suicídio é uma ação temporária, confinada a 30 dias de visibilidade. A questão, porém, é muito mais profunda e exige um compromisso constante de todos nós —governos, instituições, profissionais de saúde, mídia e sociedade civil. A saúde mental não pode ser colocada em uma caixinha de "lembrança" uma vez ao ano, ela precisa estar presente nas políticas públicas, nos espaços de trabalho, nas escolas, nas redes de apoio e, sobretudo, no cotidiano.
Rever a narrativa é também repensar quem estamos incluindo e quem estamos excluindo nessas campanhas. Pessoas em sofrimento psíquico precisam se sentir compreendidas e acolhidas, não estigmatizadas. Pessoas que perderam e que tentaram ficam sobrecarregadas e não são levadas em consideração. A narrativa de "suicídio é um tabu" já não cabe em um mundo em que a informação circula livremente, mas precisamos ser responsáveis com o que comunicamos. O sensacionalismo, o uso inadequado de linguagem e imagens e a perpetuação de mitos sobre o suicídio podem ter o efeito contrário, aumentando o risco em vez de diminuir.
Portanto, em vez de um Setembro Amarelo, devemos propor um ano inteiro de conscientização, ações práticas, políticas públicas efetivas e uma mudança real na maneira como falamos e lidamos com o suicídio. É hora de transformar o discurso em práticas verdadeiramente preventivas e acolhedoras, que reconheçam a complexidade do tema e a urgência de abordar o sofrimento psíquico com empatia, responsabilidade e continuidade. Revisitar as estratégias, questionar o impacto e trazer novas narrativas é o caminho para uma prevenção mais eficaz e humana.
Foto: Divulgação