A hanseníase é uma doença que atravessa a história e, ainda hoje, não é bem compreendida pela população. Já no século 4 a.C havia referências ao bacilo Mycobacterium leprae, causador do agravo. A falta de conhecimento fazia com que as pessoas a confundissem com outras doenças, principalmente as dermatológicas e venéreas.
Atualmente, muito se avançou no diagnóstico e no tratamento. O preconceito, porém, persiste e faz com que algumas pessoas ainda se isolem ou sejam excluídas do convívio social quando a doença é identificada.
O diagnóstico da hanseníase é realizado, essencialmente, pela avaliação clínica do paciente, que inclui a identificação da presença de lesões na pele e nos nervos, de áreas com perda de sensibilidade e manifestação de outros sinais e sintomas, principalmente na face, mãos e pés. A Fundação Ezequiel Dias (Funed) atua de forma complementar no fechamento dos casos, com os exames laboratoriais.
Chefe do Serviço de Doenças Bacterianas e Fúngicas (SDBF) da Funed, Carmem Dolores Faria conta que, atualmente, o exame laboratorial indicado e disponível na rotina de controle da hanseníase é a baciloscopia.
“O diagnóstico da doença é essencialmente clínico. A baciloscopia é utilizada como um apoio, para auxiliar o médico na classificação da doença, o que contribui para uma melhor definição do tempo de tratamento. O exame é realizado pelos municípios e a Funed, por meio do Laboratório Central de Saúde Pública de Minas Gerais (Lacen-MG), atua no controle de qualidade e no esclarecimento de eventuais dúvidas que os laboratórios clínicos, sejam eles públicos ou particulares, possam apresentar”, explica a farmacêutica-bioquímica da Funed.
Novas técnicas
No último ano, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) no Sistema Único de Saúde (SUS) recomendou o uso, pelo SUS, de três novas análises laboratoriais para auxiliar as ações de controle da hanseníase.
Após a aprovação pela Conitec, o Ministério da Saúde (MS) está em processo de aquisição dos insumos para implantação desses exames. Será implantado nas unidades de saúde um teste rápido sorológico (detecção de anticorpos) que, aliado à avaliação clínica e baciloscopia, vai auxiliar na identificação de contactantes com maior risco de desenvolver a doença, além de apoiar a definição da classificação operacional de pacientes para fins de tratamento.
Além da realização da sorologia nas unidades assistenciais, serão incorporados pelos Lacens o exame de qPCR (PCR em tempo real) para detecção do bacilo em amostras de biópsias e também um exame molecular para avaliação da resistência do Mycobacterium leprae aos antibióticos atualmente utilizados no tratamento. As estratégias e cronogramas dessa implantação serão definidos pelo MS.
Coordenação
A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), por meio da Coordenação de Hanseníase, participou da construção da Estratégia Nacional de Enfrentamento da Hanseníase (ENEH) 2023-2030, a convite da Coordenação-Geral de Vigilância das Doenças em Eliminação (CGDE/DCCI/SVS), do Ministério da Saúde, em consonância com a Estratégia Global de Hanseníase 2021–2030 “Rumo à zero hanseníase” da Organização Mundial da Saúde.
O lançamento da ENEH 2023-2030 está previsto para o seminário “Hanseníase no Brasil: da evidência à prática”, em alusão à campanha Janeiro Roxo, no período de 24 a 27/1, em Brasília (DF), sendo que a coordenação de hanseníase da SES-MG foi convidada a participar da solenidade. Segundo a subsecretária de Vigilância em Saúde da SES-MG, Hérica Vieira Santos, buscando fortalecer o enfrentamento à hanseníase, foi elaborado um plano estadual de enfrentamento à doença, com pilares estratégicos de atuação para os diferentes serviços de vigilância e atenção à saúde.
“Com a implementação do plano, espera-se alcançar as seguintes metas: aumentar a detecção geral de casos novos em 10%; reduzir a proporção de casos novos em menores de 15 anos em 20% (de 5 para 4%) e reduzir a proporção de casos novos com grau dois de incapacidade do parâmetro”, conta.
A subsecretária acrescenta ainda que, em 2018, foi instituído o Comitê Estadual de Enfrentamento da Hanseníase, que é intersetorial e tem caráter consultivo. “Em maio de 2021, o Comitê foi reestruturado, realizando reuniões periódicas de auxílio aos compromissos políticos do estado e municípios”, ressalta Hérica Santos.
Informação como aliada
Para a chefe do SDBF da Funed, Carmem Faria, a população em geral e até profissionais de saúde têm pouco conhecimento sobre a doença. “Faltam informações nas mídias e nas unidades de saúde, sobre, por exemplo, quando o cidadão deve procurar atendimento, para que seja iniciado o tratamento precoce. O estigma da doença e o preconceito também interferem nesse processo. A doença não tratada, ou tratada tardiamente, pode levar o paciente a incapacidades físicas permanentes, enquanto o tratamento precoce leva o paciente à cura sem sequelas”, ressalta Carmem.
A farmacêutica-bioquímica também considera que a falta de capacitação para os profissionais de saúde impacta o diagnóstico e o controle da doença.
“A formação desses profissionais aborda muito pouco a hanseníase, e o conhecimento fica mais restrito a especialidades médicas como dermatologia e neurologia. O investimento na capacitação das equipes de saúde da família, do agente comunitário aos médicos, é fundamental para o diagnóstico e tratamento precoces, com consequente controle da doença”, enfatiza. A Funed, mediante parcerias e demanda da coordenação de hanseníase da SES-MG, realiza treinamentos para profissionais de saúde do estado e capacitações pontuais na leitura e interpretação da baciloscopia.
Apoio no tratamento
Atualmente, a Funed é a única produtora no país da Talidomida, medicamento estratégico importante no contexto da saúde pública, utilizado para atender aos programas de hanseníase, lúpus e HIV do Ministério da Saúde.
A doença
A hanseníase é uma doença infecciosa de caráter crônico, inflamatório e sistêmico, porém curável. Ela afeta principalmente a pele, os olhos, o nariz e os nervos periféricos, causando, sobretudo, lesões de pele e danos aos nervos, o que pode gerar incapacidades físicas.
Em 2020, foram reportados à Organização Mundial da Saúde (OMS) 127.396 casos novos da doença no mundo. Desses, 19.195 (15,1%) ocorreram na região das Américas e 17.979 foram notificados no Brasil, o que corresponde a 93,6% do número de casos novos das Américas.
Brasil, Índia e Indonésia reportaram mais de 10 mil casos novos, correspondendo a 74% dos casos novos detectados no ano de 2020. Nesse contexto, o Brasil ocupa o segundo lugar entre os países com maior número de casos novos no mundo, atrás apenas da Índia.
Sinais e sintomas:
– Sensação de formigamento, fisgadas ou dormência nas extremidades (mãos e pés);
– Manchas esbranquiçadas ou avermelhadas, geralmente com perda da sensibilidade ao calor, frio, dor e tato;
– Áreas da pele aparentemente normais que têm alteração da sensibilidade e da secreção de suor;
– Caroços e placas em qualquer local do corpo;
– Diminuição da força muscular (dificuldade para segurar objetos);
– Formação de garras ou feridas difíceis de curar em mãos e pés;
– Coceira, irritação ou dificuldade para fechar os olhos.
Transmissão
A transmissão ocorre por meio de pessoas infectadas e não tratadas, que eliminam os bacilos pelo aparelho respiratório superior (secreções nasais, gotículas da fala, tosse e espirro), sendo necessário um contato próximo e prolongado.
Como o domicílio é um importante local para a transmissão do bacilo, familiares de pacientes estão mais expostos e, consequentemente, possuem maior probabilidade de adoecimento. Tocar no paciente com hanseníase não transmite a doença. O paciente em tratamento regular deixa de transmitir a doença e, os que já receberam alta, são curados e não a transmitem mais.
A maioria das pessoas que entram em contato com esse bacilo não desenvolve a doença por possuir defesa natural (imunidade) contra o M. leprae, portanto a maior parte da população que tiver contato com o bacilo não adoecerá.
Fatores ligados à genética humana são responsáveis pela resistência (não adoecerem) ou suscetibilidade (adoecerem). O período de incubação da doença é bastante longo, variando em média de dois a sete anos, mas pode ultrapassar dez anos.
Cura
A hanseníase tem cura. O tratamento é feito nas unidades de saúde e é gratuito. O diagnóstico precoce e tratamento adequado da doença favorecem o controle da transmissão e a prevenção de incapacidades físicas. O tratamento é administrado por via oral, constituído pela associação de três medicamentos e é denominado poliquimioterapia única.
A prevenção também baseia-se na investigação de contatos e em ações educacionais direcionadas aos profissionais de saúde e população.
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