Na última quarta-feira (7), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Barragem de Brumadinho discutiu o termo de compromisso assinado entre a Defensoria Pública de Minas Gerais e a empresa Vale, que tem como base acordos individuais para reparação dos danos decorrentes do rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, em 25 de janeiro deste ano.
Na opinião de Joceli Jason Andrioli, representante dos Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), os acordos individuais e extrajudiciais prejudicam a organização dos atingidos e o andamento das várias ações coletivas de reparação de danos que tramitam na justiça. Para ele, o acordo foi feito às pressas e beneficiou mais a empresa do que os atingidos.
Antônio Lopes de Carvalho Filho, defensor público do Estado, afirmou que foi preciso elaborar um modelo alternativo para reparação, justamente para agilizar o atendimento às vítimas e evitar que as pessoas fiquem anos esperando as indenizações, a exemplo do que ocorreu na tragédia do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, em 2015.
O defensor explicou que: “Um idoso, que tinha seu modo de vida rústico, que criava seus animais num sítio, não pode ficar dois anos hospedado num hotel à espera de uma decisão judicial”.
Para firmar o termo de compromisso com a Vale, ele garantiu que, no dia 5 de abril, foram adotados não apenas os parâmetros fixados no direito civil, mas também critérios próprios dos direitos sociais e humanos. O representante da Defensoria disse que o acordo obedeceu parâmetros capazes de permitir a reconstrução dos modos de vida e dos projetos pessoais das vítimas.
Indenizações - A Vale, pelo compromisso firmado com a Defensoria Pública, indenizará os proprietários de terras com áreas de 20 hectares, mesmo se a pessoa tivesse apenas 2 ou 3 hectares antes da tragédia. Também serão indenizados com 10 hectares de terras, como se fossem proprietários, os parceiros, meeiros, arrendatários e seus filhos que residiam nos imóveis. Os agregados, caseiros e seus filhos receberão 2 hectares de terras como reparação.
Pais, mães, filhos e cônjuges receberão R$ 500 mil por pessoa morta. Irmãos de mortos ou desaparecidos receberão R$ 150 mil cada um. Com relação às moradias e terrenos urbanos, os locatários e moradores de imóveis cedidos também receberão outros imóveis a título de indenização, como se fossem proprietários.
Segundo o defensor Antônio Lopes de Carvalho Filho, os autônomos e prestadores de serviços, que perderam sua renda em virtude do rompimento, farão jus à indenização dessa renda.
O deputado Sargento Rodrigues (PTB), vice-presidente da CPI, acredita que os acordos individuais assinados via Defensoria Pública não prejudicam os acordos e ações coletivas e dão celeridade à reparação. Ele elogiou o trabalho dos defensores públicos, mas pediu que a Defensoria fique atenta ao cumprimento desses acordos. O mesmo disse que: "A Vale é uma empresa criminosa e reincidente. A estratégia deles é tutelar, controlar tudo".
O deputado André Quintão (PT), relator da CPI, reconheceu que é difícil construir um modelo de reparação de danos para uma tragédia dessa natureza. Mas ele acredita que o melhor caminho é conciliar as ações coletivas com as individuais. O mesmo declarou que: "Só não podemos esquecer que ainda há 22 corpos desaparecidos e que a vida humana não tem preço".
Ações trabalhistas - André Quintão questionou se o acordo via Defensoria Pública, para os que perderam seus bens e familiares, não interferiria na indenização trabalhista às famílias dos trabalhadores mortos na tragédia.
Geraldo Emediato de Souza, representante do Ministério Público Regional do Trabalho, afirmou que o acordo com a Defensoria não abrange a questão trabalhista, pois são compensações de natureza distinta. As reparações trabalhistas são de responsabilidade do Ministério Público do Trabalho.
Vítimas estariam sendo pressionadas a fazerem acordos individuais
Lílian Paraguai, professora e representante da Articulação Somos Todos Atingidos, denunciou que as pessoas que decidem participar de ações coletivas são insistentemente visitadas por empresas e escritórios de advocacia, contratados da Vale, para que aceitem acordos individuais.
Outro exemplo de estratégia usada pela empresa Vale, em Brumadinho, para Lílian, foi alugar, por tempo indeterminado, todos os espaços de outdoors na região. A mesma lamentou que: “Não podemos fazer um outdoor para esclarecer ou mobilizar a população. Ficamos paralisados diante do poder econômico dessa empresa”.
Raquel Gomes de Souza da Costa Dias, chefe de gabinete da Defensoria Pública, afirmou que as pessoas têm o direito de participar de ações coletivas, mas também têm o direito de fazer um acordo individual, para resolver a questão com mais rapidez e recomeçar sua vida.
Presença da Vale no local é criticada por deputados. Eles também pedem uma reparação maior da empresa
Tanto os representantes dos atingidos quanto os deputados da CPI questionaram o fato da Vale ter acesso irrestrito ao local da tragédia e também às famílias das vítimas. Sargento Rodrigues disse que: "O criminoso não pode ter acesso ao local do crime, nem pode tratar diretamente com as vítimas".
A empresa, na opinião da deputada Beatriz Cerqueira (PT), não deveria ser a responsável pelo atendimento à saúde dos atingidos. A mesma disse que: "Isso é absurdo, é mais uma forma da Vale controlar tudo".
Beatriz Cerqueira também criticou a Vale pelo fato de os funcionários sobreviventes ao rompimento da barragem estarem trabalhando, muitos deles operando máquinas pesadas, mesmo abalados e fazendo uso de medicamentos psiquiátricos. Para ela, a Vale não reconhece seus funcionários como vítimas.
Apesar de Marcelo Klein, representante da Vale, ter descrito uma série de ações de reparação adotadas pela empresa, inclusive repasse de verbas aos municípios atingidos e a doação de equipamentos para a Polícia Civil, os deputados voltaram a fazer duras críticas à empresa, inclusive por não ter entregado ao Instituto Médico Legal (IML), em tempo hábil, os insumos necessários para a identificação dos corpos.