Relatos de participantes de audiência da Comissão de Direitos Humanos confirmam precarização das condições de trabalho e baixa remuneração de motoboys e motogirls.
De um lado, o “corre” de todo dia. Do outro, a luta por um trabalho digno em que sejam respeitados os direitos fundamentais da categoria. Esse é o desafio constante na rotina dos entregadores de aplicativo, que participaram na quinta-feira (22/05) de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
A gíria “corre” é usada entre motoboys e motogirls para descrever a rotina árdua da categoria que deve ser proativa, trabalhar duro e não ter medo de enfrentar dificuldades, resolvendo problemas rapidamente.
Mas a solução de alguns desses problemas, sobretudo quando relacionados à remuneração e às condições de trabalho da categoria, parecem ainda estar longe do fim, de acordo com relatos feitos na audiência, solicitada pela presidenta da Comissão de Direitos Humanos, deputada Bella Gonçalves (PSOL).
A parlamentar articula com o deputado federal Guilherme Boulos (Psol-SP) e outros representantes dos poderes legislativos estaduais de outros estados, a formulação de um novo projeto de lei mais abrangente que ataque diretamente o problema.
A primeira tentativa nesse sentido não prosperou. O Projeto de Lei Complementar Federal (PLC) 12/24, elaborado pelo Executivo federal no início do ano passado, buscava regulamentar apenas o trabalho dos motoristas de aplicativo para transporte de passageiros, mas sofreu forte resistência e teve sua tramitação paralisada na Câmara Federal.
Bella Gonçalves lembrou que o maior empregador do Brasil atualmente, a empresa JBS, tem cerca de 150 mil empregadores, enquanto Uber e IFood, segundo estimativas, já que as plataformas não divulgam números, reuniriam 909 mil entregadores.
“Autônomo sim, mas com direitos, com proteção mínima do Estado que garanta o mínimo digno que se espera de um trabalho justo. Estamos enfrentando uma mudança nas relações de trabalho no mundo. O trabalho formal diminui em função das novas tecnologias. Hoje, no Brasil, a informalidade corresponde a quase metade dos postos de trabalho. Na RMBH, os informais, sem nenhum direito, já são 40%. Só por meio de mobilização nacional vamos começar a mudar isso”. Bella Gonçalves - Dep. Bella Gonçalves
A parlamentar lembrou o “Breque dos Apps”, movimento nacional deflagrado em 2020 e que teve mais uma edição no final de março, que reivindica sobretudo reajustes nos valores pagos por entrega/corrida e por quilômetro percorrido.
“Como resposta, deram um aumento irrisório de R$ 0,50 (bicicletas) a um real (motos) na taxa de entrega. É urgente a regulamentação para no mínimo conseguirmos transparência nessa relação com os trabalhadores”, afirmou.
O deputado Luisinho (PT) foi além e comparou essa relação como similar à escravidão. “E vai piorar. A China está entrando com tudo no mercado brasileiro por meio da plataforma Meituan e ela não vai concorrer com quem já está aqui melhorando a vida dos trabalhadores. Ela via dominar o mercado pagando ainda menos, por isso agora é a hora do poder público atuar”, analisou.
Bella Gonçalves lembrou ainda que à baixa remuneração, precárias condições de trabalho e falta de transparência se soma a incerteza de que quem sai para trabalhar e não sabe se conseguirá voltar bem para casa e a família. Segundo ela, no ano passado foram registradas 96 mortes em Belo Horizonte de trabalhadores de aplicativo, nenhuma delas registrada como acidente de trabalho.
Ainda de acordo com a parlamentar, em janeiro e fevereiro teriam sido registrados mais de mil motociclistas acidentados no Pronto-Socorro do Hospital João XXIII (HPS), a maior parte na mesma condição.
Na avaliação da parlamentar, felizmente, aos poucos a categoria toma consciência de que não são empreendedores, mas sim trabalhadores sem direitos, explorados ao máximo, muitas vezes transportando mercadorias que não têm condições de consumir.
Foto: Arquivo