Baseada na experiência da ouvidoria da mulher da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), a Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) discutiu, na quarta-feira (14/08), a criação de órgão semelhante para acolher denúncias de violência de gênero na Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e na Fundação João Pinheiro.
Institucionalizada em 2019, a Ouvidoria Feminina da Ufop é um projeto de extensão do Núcleo de Direitos Humanos da universidade. Ela atua a partir de normas e procedimentos a serem adotados para casos de violência contra a mulher no âmbito da instituição, compreendendo os seus limites geográficos, os locais de atividades e de convivência acadêmica e as moradias universitárias.
São disponibilizados canais de denúncia e de apoio psicológico e jurídico, além de cartilha informativa sobre assédio moral, assédio sexual e a legislação, para que as vítimas saibam identificar situações em que acontecem essas violências e como agir institucionalmente.
A deputada Lohanna (PV), que solicitou a audiência, destacou a importância da ouvidoria como um importante canal para registrar esse tipo de ocorrência, não restrita à sala de aula. Um obstáculo a ser superado, frisou, é a legislação estadual de combate ao assédio, que ainda não trata da perspectiva do combate à violência de gênero.
A ouvidora da Ufop se consolidou como uma experiência que salva vidas no segundo estado que mais assassina, violenta e fere mulheres, ressaltou a deputada Macaé Evaristo (PT).
Cuidado, respeito, apoio e legitimação
Coordenadoras da Ouvidora Feminina, as professoras Flávia Pereira e Natália Lisbôa apresentaram o projeto de extensão, pensado como um lugar de acolhimento das vítimas e de encaminhamento institucional das denúncias.
Flávia trouxe dados alarmantes: a academia é o segundo lugar de trabalho com maior índice de assédio sexual, 63% das mulheres nas universidades brasileiras já sofreram algum tipo de assédio, 36% deixaram de fazer alguma atividade na universidade por medo da mesma violência e 70% das instituições de ensino não possuem medidas de combate ao assédio.
A ouvidoria registrou 143 atendimentos até 2023, número de ocorrências subnotificado, pelo medo de retaliação e de processos de revitimização das mulheres. Os casos de assédio respondem pelo maior número de violências de gênero, seguidos pelos de estupro.
Aplicativo aponta lugares mais perigosos
A ouvidoria da Ufop funciona por requisição de atendimento. As mulheres são acolhidas e as denúncias, sigilosas, são formalizadas, com a possibilidade de instauração de processo administrativo. Uma comissão, de maioria feminina, verifica a autoria e materialidade. Não há contato com o denunciado, a repetição do relato é evitada, para poupar as vítimas, e é dada publicidade ao resultado.
As mulheres da comunidade acadêmica também podem recorrer ao aplicativo Segurança da Mulher, onde é possível consultar os locais na sua região onde já ocorreram casos de abuso. O mapa é construído a partir de denúncias anônimas, classificadas de acordo com o grau de risco. Clicando nos pontos sinalizados do mapa, são visualizados os detalhes dos relatos.
Universidades estaduais dão sinal verde para novo canal de denúncias
A reitora da Uemg, Lavínia Rodrigues, a representante da reitoria da Unimontes, Luciana Melo, e a presidente da Fundação João Pinheiro, Luciana Nominato, elogiaram o trabalho desenvolvido em Ouro Preto e se mostraram abertas à proposta de novos canais de denúncias de violência de gênero.
De forma geral, elas ponderaram, no entanto, que não seria possível criar estruturas de ouvidorias internas em cada instituição, ficando a cargo da Ouvidoria-Geral do Estado a instituição de canal específico para esse fim – no caso, a Casa da Mulher, já em estudo.
Atualmente, a fundação conta com um conselho de ética e um colegiado. Na Unimontes, por iniciativa do Grupo de Pesquisa e Estudos Gênero e Violência, foi criado o Observatório Norte Mineiro de Violência de Gênero, para acompanhar esse fenômeno, reunir materiais bibliográficos e desenvolver pesquisas em relação à violência contra as mulheres e a população LGBTQIA+.
Na Uemg, por sua vez, demandas e denúncias podem chegar por três vias – o Fale Conosco, acessado pelo site da instituição, Canais de Atendimento (redes sociais, e-mail e telefone) e a Ouvidoria Educacional, que filtra as manifestações e as encaminha à universidade.
Para contornar o problema levantado pelas universidades, a professora Flávia Pereira, da Ufop, observou que pode ser criado um cargo de ouvidora adjunta, para encaminhar esses casos de violência de gênero.
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