Após o vídeo do governador Romeu Zema defendendo o fim da exigência do cartão de vacinação para crianças ingressarem na escola, parlamentares, autoridades de vários órgãos e entidades, inclusive das Secretarias de Estado de Educação e de Saúde defenderam a importância da imunização para evitar o retorno de doenças já erradicadas há anos. Por outro lado, alguns parlamentares concordaram que a família tem o direito de vacinar ou não as crianças e adolescentes.
O embate foi durante audiência pública da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na última segunda-feira (19/02). A reunião foi acompanhada por cidadãos a favor da vacina e contrários ao imunizante.
Autoridade no assunto, o médico infectologista Unaí Tupinambás, professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG lamentou o crescimento do movimento antivacina nos últimos anos, que culminou com a redução da cobertura principalmente após 2018. De acordo com dados apresentados por ele na audiência, a vacinação de BCG (contra a tuberculose), por exemplo, caiu de 99,72%, para 68,27%, em 2021.
A imunização contra poliomelite neste período reduziu de 89,54% para 69,10%, e a cobertura da vacina meningococo C, saiu de 88,49% para 70,19%. Segundo o especialista o Programa Nacional de Imunizações (PNI) brasileiro é referência mundial com vacinas para mais de 40 doenças potencialmente graves, mas foi desarticulado pelo governo do ex-presidente Bolsonaro.
“Colocaram a vida das crianças em risco”, criticou o especialista que defende punição às autoridades que estimulam a negação às vacinas. A partir de 2023, já com o novo governo federal, segundo Unaí Tupinambás, foram retomadas medidas que já estão mostrando aumento das coberturas. “A saúde pública deve estar acima de qualquer interesse. Temos que reagir essa politicagem grosseira”, reforçou.
Lourdes Machado, presidente do Conselho Estadual de Saúde, informou que a “fala irresponsável do governador”, que estimulou a negligência das famílias, provocou uma nota de repúdio do CES, que também pediu a retratação de Romeu Zema.
Rafaella Queiroz, pesquisadora da Fiocruz Minas, lembrou que quando se aumenta a cobertura vacinal para 90%, os casos das doenças são reduzidos brutalmente. Ela registrou que a Fiocruz Minas faz o monitoramento após a vacinação contra a covid-19 e confirmou a segurança da vacina.
Representantes do Estado defendem vacinas
Em que pese a fala do governador, representantes do Estado na audiência pública afirmaram que medidas em parcerias entre as secretarias de Educação (SEE) e de Saúde (SES) buscam ampliar a cobertura de vacinação em Minas.
A diretora de Vigilância de Doenças Transmissíveis e Imunização da SES, Marcela Lencine Ferraz, relatou vários projetos e medidas para elevar a aplicação dos imunizantes como, por exemplo, campanhas em ambientes escolares. Entre as iniciativas, citou o programa Vacina Mais Minas que atua em seis frentes diferentes, incluindo vacinação em escolas e captação da população sem imunização.
Marcela Ferraz afirmou que foi observado uma tendência de declínio de vacinação desde 2015 e o ressurgimento do risco de doenças que são preveníveis pela vacina. “É indiscutível que a vacinação é uma das maiores vitórias da saúde pública”, defendeu. Lembrou ainda que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda uma cobertura de 95% das crianças e adolescentes, para maior eficácia e segurança da população.
Coordenadora de Temáticas Especiais e Transversalidade da Secretaria de Educação, Rosalia Aparecida Martins Diniz, explicou que a fata de apresentação do cartão de vacina não impede a matrícula de crianças nas escolas do Estado. Mas as instituições de ensino orientam os pais sobre a importância das vacinas e recomendam a providenciar a imunização.
A deputada Bella Gonçalves (Psol) ressaltou que a fala das representantes mostra o empenho dos servidores estaduais pela vacinação.
A médica Stela Araújo, do Coletivo Mães Pró-Vacina, disse que o cartão de vacinação deve fazer parte da documentação necessária para a matrícula, pois serve como marcador de vulnerabilidade social, e não simplesmente para averiguar se criança tomou ou não a vacina. Ela acrescentou que estudo da Unicef aponta que crianças de famílias pobres (de áreas rurais remotas, favelas e regiões de conflito) têm menos acesso a vacinação, o que as torna mais vulneráveis a doenças.
A defensora pública Daniele Bellettato, coordenadora de Promoção e Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes, relatou que a Defensoria recomendou ao governo de Minas que o cartão de vacinação fosse solicitado na matrícula dos estudantes, o que foi aceito. Ela citou artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente que coloca a vacinação como responsabilidade não só da família, mas da sociedade e do Estado.
“Se isso não é feito, é qualificado como negligência”, apontou. Daniele destacou ainda que, a partir do momento em que a vacina contra a covid foi incluída no Calendário Nacional da Vacinação, passou a ser obrigação do Estado vacinar as crianças e adolescentes.
O coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (CAO-Saúde), Luciano Moreira de Oliveira, Luciano Moreira de Oliveira, afirmou que o Ministério Público (MP) defende a obrigatoriedade da vacinação que esteja prevista no PNI ou indicada pela União e Estados. “É direito das crianças serem imunizadas independente das convicções de seus pais”, argumentou.
Deputados se revezam entre críticas e defesa de Zema e da vacinação
Deputados da oposição defenderam a obrigatoriedade dos pais garantirem a vacinação de crianças e adolescentes e cobraram responsabilização do governador por sua fala de desestímulo. Parlamentares da base argumentaram pelo que consideram liberdade de escolha da família.
A presidenta da Comissão, Beatriz Cerqueira, Doutor Jean Freire, Leleco Pimentel e Macaé Evaristo, os quatro do PT; Bella Gonçalves (Psol), Lohanna e Professor Cleiton, ambos do PV, afirmaram que vacinar crianças e adolescentes não é questão de opinião e, sim, de assegurar o direito à imunização e defender toda a sociedade. “A obrigatoriedade da vacina é lei”, acentuou Beatriz Cerqueira, que entrou com ação para apurar a atitude do chefe do Executivo.
Doutor Jean Freire (PT) afirmou ser favorável à troca de saberes, mas desde que eles sejam direcionados à vida. “Não me importa o partido político de cada pessoa, mas se ela defende ou não a vida”, disse ele, criticando a atuação daqueles que prestam desserviço à humanidade, negando o valor das vacinas.
Macaé Evaristo considerou “irresponsável” a atitude de alguns pol íticos mineiros que relativizam o papel das vacinas, assim como Leleco Pimentel. “Alguns preferiram trazer o debate moral, isso não pode substituir o ambiente da ciência, da luz”, sustentou o deputado.
Professor Cleiton desafiou o governador a publicar algum ato administrativo ou decreto para dar embasamento ao seu pronunciamento. “Só assim o Ministério Público pode agir”. Lohanna lembrou que os cidadãos, por viver em sociedade, estão submetidos às leis. “Essa não é uma discussão sobre liberdade ou direitos”.
Já Caporezzo, Bruno Engler e Sargento Rodrigues, todos do PL, acreditam que os familiares podem escolher imunizar ou não as crianças. O primeiro citou o artigo 15 do Código Civil que define que ninguém pode se submeter a tratamento médico que coloque em risco a própria vida. Ele disse que a vacina da Covid-19 não passou pelo teste duplo cego, mas foi rebatido por Unaí Tupinambás.
Na opinião de Sargento Rodrigues, algumas vacinas são feitas às pressas para atender interesses da indústria farmacêutica. O deputado pediu a presidenta Beatriz Cerqueira que respeitasse o direito de fala de parlamentares que se posicionavam contra a vacina, garantindo o direito ao contraditório, previsto no Regimento Interno.
A deputada Chiara Biondini (PP) defendeu a fala do governador, afirmando que ele foi claro ao dizer que não vai condicionar a matrícula nas escolas à vacinação. Para ela, Zema merece os parabéns por informar que a vacinação não é obrigatória.
Bruno Engler citou a Lei 23.787, de 2021, que assegura obrigatoriedade do Estado em fornecer vacina contra a Covid, mas garante que a imunização é facultativa. “A criança pertence à família, é discussão sobre liberdade, respeitem a liberdade da família”.
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