Planejar é desafiador para a maioria dos brasileiros, poucos buscam poupar de olho em uma renda extra no futuro com aplicações na previdência privada.
A virada do ano costuma ser momento para repensar diversos aspectos da vida. Dez em cada 10 brasileiros incluem, nesse balanço, a vida financeira, mas o fato é que muito poucos acabam poupando pensando na aposentadoria. E, para não receber apenas o salário mínimo pago pela maioria, uma alternativa é um plano de Previdência privado ou complementar, que é o caso de servidores que passarão a receber o teto pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) quando deixarem de ser ativos.
Os altos custos com remédios e planos de saúde são proibitivos para quem recebe um salário mínimo de aposentadoria. Certamente que, mesmo com o reajuste acima da inflação no piso salarial que entrou em vigor neste ano, de R$ 1.412, não é suficiente para suprir todas as necessidades de quem trabalhou uma vida inteira e quer descansar. Vale lembrar que a taxa de correção do teto do INSS de 2024, que foi de R$ 7.507,49 no ano passado, só será conhecida no dia 11, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgará os dados do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
Pesquisa recente da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi) indica que a maior parte dos brasileiros ainda não consegue planejar muito e acaba focando nas questões mais imediatas. De acordo com o levantamento, apenas 12% dos entrevistados pensam em ter como fonte de renda, após parar de trabalhar, a previdência privada. Por trás desse fato, especialistas veem a falta de "letramento financeiro", associado ao nível de endividamento e à falta de condições de manter o dinheiro intocado por um longo período.
"O principal motivo dessa baixa expectativa das pessoas em relação à Previdência privada deve ser endereçado à falta de cultura e de educação previdenciária observada junto a grande parte da população. Historicamente, a sociedade brasileira apresenta reduzidos níveis de poupança privada — muitas vezes, devido à má distribuição de renda ou, mesmo à reduzida renda per capita — o que dificulta a consolidação de um costume relacionado à postergação do consumo, necessário à formação de uma proteção financeira para um futuro incerto", explica o economista José Roberto Ferreira, ex-diretor da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) e sócio-diretor da consultoria Rodarte Nogueira & Ferreira.
Nem mesmo a pandemia da covid-19, em que muitos pais deixaram seus filhos órfãos, ampliando a preocupação com o porvir, fez crescer significativamente esse tipo de investimento, que contempla também a pensão por morte ou invalidez. Ferreira observa que, por diferentes motivos, houve estagnação tanto na previdência privada aberta — operada pelas seguradoras e seus planos individuais — quanto na fechada, formada pelos fundos de pensão, com os planos coletivos.
Escolhas em meio às incertezas
"O período da pandemia, mesmo alertando a sociedade para as incertezas futuras, não trouxe impactos significativos nesse quadro da previdência privada, principalmente, pela reduzida cultura e educação previdenciária — ou seja, desconhecimento — de grande parte da população", diz o especialista.
Para cada objetivo, o mercado financeiro oferece diversas opções para quem deseja multiplicar o dinheiro. Se os planos são para a viagem dos sonhos em 2024 ou para o casamento, é preciso buscar investimentos com maior liquidez, ou seja, em que se possa resgatar o valor rapidamente, sem perder dinheiro.
A poupança, mesmo com baixa rentabilidade, permanece sendo o principal produto escolhido pelos brasileiros, com 26% da preferência, segundo dados do Raio X do Investidor, produzido pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). A previdência privada aparece com apenas 2%.
Especialistas atribuem esse quadro à tradição da poupança — produto mais simples e mais fácil de gerenciar — e à falta de conhecimento sobre a Previdência. Eles apontam que investir em previdência privada é uma boa opção para quem não quer viver apenas com a aposentadoria do INSS, ou seja, para os planos de longo prazo.
Francisco Rodrigues, diretor administrativo na Icasb Saúde Financeira, recorda que, além da aposentadoria, esse tipo de aplicação pode ser usado para outras realizações de longo prazo, como a faculdade de um filho, a compra de um bem ou até mesmo como uma reserva financeira. "Vale a pena, mas é importante avaliar sempre o perfil financeiro do investidor e os objetivos para essa tomada de decisão", pondera.
Perfil do investidor
É importante saber escolher entre o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) — a modalidade mais indicada para quem entrega a declaração completa do Imposto de Renda — e o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) — plano criado para alcançar a população de renda mais baixa ou que está no início da vida profissional, pois tem um desconto maior do Imposto de Renda quando ocorrer o resgate.
Dependendo do perfil do investidor, o educador financeiro indica que há também outras opções, como a renda fixa ou os títulos públicos. "O perfil financeiro e os objetivos futuros são fundamentais para a tomada de decisão. Como têm ocorrido muitas oscilações econômicas e crises financeiras nos últimos anos, no Brasil e no mundo, é preciso ficar atendo às taxas de administração e de carregamento ao longo dos anos", orienta. Ele alerta que previdência complementar não ter tanta liquidez é muito importante ser avaliado esses pontos. "Se a pessoa tiver disciplina, determinação e educação financeira, é preferível investir na renda fixa, também, no Tesouro Direto de longo prazo", recomenda.
José Roberto Ferreira, por sua vez, chama atenção para as vantagens oferecidas pela previdência privada e sua maior rentabilidade. "Em geral, os investimentos disponíveis no mercado financeiro que auxiliam no alcance das expectativas financeiras pessoais, não atingem objetivos de longo prazo, porque os ciclos financeiros são menores. E os prazos dos investimentos têm relação direta com a rentabilidade potencial, ou seja, quanto maior o prazo, maior a capacidade de exposição a riscos de mercado e de sua eventual recuperação, resultando, geralmente, em maior retorno financeiro", comenta.
A previdência privada, destaca Ferreira, está estruturada para o longo prazo, "com tratamento tributário diferenciado (incentivo fiscal) e acesso a mercados não disponíveis para as pessoas físicas". Por isso, no entender de Ferreira, "os seus resultados de longo prazo são mais vantajosos do que as opções convencionais de investimentos".
Cuidados após a reforma da Previdência
O novo diretor-presidente da Fundação de Previdência Complementar do Servidor (Funpresp), Cícero Dias, traçou como plano para 2024 ampliar o engajamento dos servidores no plano de previdência complementar. Mas ele não esperou o ano novo chegar para começar a agir: assim que iniciou a gestão, em 1º de dezembro, intensificou a campanha para que os participantes aproveitassem o seu 13º para fazer um aporte facultativo em sua conta no fundo. A campanha por maiores aportes continua em 2024.
A ideia de Dias é reforçar que, quanto mais contribuir, maior vai ser a renda quando encerrar o tempo laboral. Para aqueles que ainda não estão na Funpresp, ele reforça que muita coisa mudou desde a reforma da previdência pública, incluindo o fim da aposentadoria integral.
"O servidor antigo só lembra de aposentadoria na hora de aposentar", afirma Dias, ao frisar que, pelas novas regras, o servidor público com ingresso após o ano de 2013 não terá mais direito à aposentadoria pública integral, a não ser que cumpra as regras do chamado "pedágio de 100%".
"Antes da reforma, o servidor nem notava a condição da saída de ativo para inativo, porque a renda era a mesma. Hoje, as pessoas se assustam quando vão se aposentar e percebem que só terão direito a 60% da média salarial", comenta.
A diretora de seguridade da Fundação, Regina Dias, acrescenta que as mudanças valem também para as pensões por morte e para aposentadoria por invalidez.
Com uma carteira de investimentos de R$ 8,6 bilhões, segundo dados de novembro, a Funpresp possui 107,5 mil participantes, de um total de servidores públicos que ultrapassam os 567 mil.
Os números fechados de 2023 ainda serão divulgados, mas o diretor-presidente adianta que a Funpresp atingiu os R$ 9 bilhões, subindo alguns degraus no ranking das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC). Até os dados de setembro do Relatório Gerencial da Previdência Complementar, divulgado pelo Ministério da Previdência, o fundo ocupava a 22ª colocação. De acordo com Dias, a grande maioria dos participantes é formada por servidores admitidos após o ano de 2013, quando a Funpresp foi fundada. "Como a adesão para os novos servidores é automática, é mais fácil manter esse participante", observa. Para os mais antigos, o novo presidente pretende intensificar os programas de educação financeira para convencê-los a aderir ao plano.
"Apesar da boa ou excelente formação que existe no quadro de servidores públicos federais, nem todo mundo tem um letramento financeiro suficiente para compreender as vantagens da previdência complementar", salienta Cícero Dias. "Em geral, os servidores, como ocorre com os brasileiros, de um modo geral, costumam postergar o planejamento financeiro. Com isso, eles acabam perdendo muitas das vantagens oferecidas pela previdência complementar".
Regina Dias completa que uma das vantagens oferecidas aos servidores que aderem à Funpresp é a paridade, em que, a cada R$ 1 investido na previdência, o patrocinador aplica mais R$ 1. "Mais que um privilégio, a paridade é um direito oferecido ao servidor. Ao não aderir, ele deixa de exercer esse direito, que é ter uma poupança adicional que corresponde a 100% do que ele aporta", enfatiza a executiva.
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