Poderíamos nos espantar com a necessidade de uma legislação para regulamentar uma ação que, por natureza, é imoral.
Platão afirma que a vida política deve ser uma desintoxicação dos costumes privados e familiares. Para o pensador, o cidadão deve ser educado de uma forma que saiba diferenciar, claramente, as relações regidas pelo parentesco daquelas republicanas, orientadas pela impessoalidade da justiça.
Todo o livro “A República” se concentra a discutir qual a formação ideal para o governante e, consequentemente, para os cidadãos da Pólis. Platão afirma que a educação é um dever da República e, por esse motivo, não deve ser entregue aos desvarios familiares. Cada família, educada para si mesmo, não forma um Estado.
Cada criança iniciaria seus estudos para, em primeiro lugar, ser capaz de se desvincular dos vícios familiares. Ali, no ambiente educativo, ele deixaria de ser filho para se tornar cidadão, não mais regido pelos interesses privados, mas pelas regras coletivas. Ao final desse processo teríamos o famoso “Rei Filósofo”.
Educando o corpo e alma, ao longo de muitos anos, cada sujeito perceberia sua aptidão. Alguns para as atividades do corpo, outros para a vida laboral, alguns para as estratégias militares e poucos para a vida intelectual. Nessa última dimensão, caberia ao Estado fornecer um desenvolvimento adicional, pois estes se mostrariam mais aptos aos assuntos políticos. Para Platão, a educação é, na verdade, um desvelar da alma. Cada um já carregaria, dentro de si, uma natureza específica. O processo educativo teria como missão ajudar cada sujeito a descobri-la.
O radicalismo do filósofo era tão grande que propunha entregar os filhos, logo ao nascer, para que fossem educados por terceiros. Com isso, sua formação conservaria a objetividade de tutores técnicos e neutros. Teríamos, nesse caso, legítimos filhos da Pólis.
Por mais que caibam inúmeras críticas a esse modelo, considerado elitista e excludente, ele tenta apresentar uma tese muito importante: educar-se politicamente é aprender a atravessar uma moral privada, familiar, caminhando em direção ao bem comum, quase sempre conflitante com os desejos egoístas.
Platão era, também, um crítico da democracia ateniense. Primeiro, por ela ter sido responsável pela morte de seu grande mestre, Sócrates. Segundo, porque a considerava uma forma de governo deturpada pela vontade da maioria, sempre voraz, acrítica e massificada. A justiça não pode ser uma questão de “voto da maioria”, muito menos as ações éticas. É difícil estar correto sozinho. Bem mais fácil errar junto com o grupo, não é? Por isso que a ideia de maioria sempre é mais confortável.
No Brasil, a própria lei incentiva a termos vícios privados para obter benefícios públicos, o oposto do pensamento platônico. A súmula vinculante de 2008, do Supremo Tribunal Federal, tipifica como nepotismo a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente até terceiro grau. No entanto, não tem efeito para os “cargos de confiança”. Isso faz com que diversos agentes públicos aproveitem a situação para utilizar a máquina pública para benefício próprio.
Essa “brecha” ajuda cerca de 12 governadores a “convidar” parentes para ocupar cargos públicos, segundo levantamento do GLOBO. Goiás e Alagoas se destacam nesse quesito. Com salários altos, benefícios e outras questões envolvidas, parentes tratam a coisa pública como um quintal privado.
Poderíamos nos espantar com a necessidade de uma legislação para regulamentar uma ação que, por natureza, é imoral. No entanto, tratando de seres humanos, sabemos que a ética não é capaz de conduzir todas as ações. Quando ela não dá conta, precisamos mesmo é do rigor da lei. Mas quando a própria lei não legisla? Caímos nos interesses subjetivos e desejos perversos daqueles que se enriquecem por meio do trabalho alheio.
O Estado, essa máquina que nada produz, tem, por natureza, o objetivo de tudo levar. Quando ele é governado e gerido por subjetividades perversas, que não educaram as vontades e os espíritos para o bem comum, tende a ser tornar ainda mais cruel e tirano.
Foto: Divulgação