Especialistas alertam que garantia de direitos básicos e acesso a serviços públicos precisam ser repensados para essa nova realidade.
Jeanne conta com o apoio do Cio da Terra, um coletivo que reúne mulheres migrantes de vários países. A única brasileira do grupo, a assistente social Salimi Hadad, explicou que uma portaria do Ministério da Justiça facilitou a reunião familiar dos haitianos, mas falta estrutura na embaixada brasileira no Haiti para processar a grande quantidade de pedidos de visto.
Este caso ilustra uma mudança recente no panorama mundial: a feminização das migrações. Segundo a Organização Mundial das Migrações (OIM), as mulheres já representam 48% das pessoas que migram em todo o mundo. No Brasil, esse percentual é de 39%, como informou a coordenadora de projetos da OIM, Juliana Miranda Rocha.
Ela explicou que, no passado, a maioria das mulheres que migravam estavam acompanhadas de seus maridos. Mas atualmente é grande o número de mulheres que migram sozinhas, algumas inclusive com filhos. “Isso pode ser um sinal de empoderamento feminino, mas não representa melhorias no acesso a direitos”, pontou Juliana Rocha.
As dificuldades vividas pelas mulheres que migraram da Venezuela para Minas Gerais foram captadas por uma pesquisa conduzida pelo Ipead-UFMG. Segundo a professora Carolina Aguiar, da Cátedra Sérgio Vieira de Mello da PUC Minas, a taxa de desemprego dessas mulheres é de 18%, muito acima do índice dos homens venezuelanos (6%) e da média brasileira (11%).
Os venezuelanos ainda enfrentam preconceito por sua condição de estrangeiros, de acordo com Carolina Aguiar. Cerca de 25% dos 2 mil imigrantes venezuelanos entrevistados na pesquisa já sofreram discriminação por sua nacionalidade. Para a professora, trata-se de um alarmante sinal de xenofobia.
Migrantes e refugiadas relatam barreiras para a inserção social
O fenômeno da feminização também pode ser observado entre as refugiadas, segundo o representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), William Torres Laureano da Rosa. De acordo com ele, do total de 103 milhões pessoas que foram forçadas a abandonar seus países em todo o mundo, mais da metade são mulheres e crianças.
William Laureano explicou que muitas mulheres fogem da violência de gênero e chegam ao Brasil depois de terem sido vítimas de mutilações genitais e de estupros de guerra. Os desafios para acolher essas mulheres, na avaliação do representante do Acnur, são oferecer serviços de saúde mental, oportunidades de trabalho e creches para seus filhos.
A argentina Eliana Milene Pepino, que atua como agente de acolhida do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados, explicou que as maiores dificuldades enfrentadas pelas mulheres migrantes são o acesso ao mercado de trabalho e o domínio da língua portuguesa. Ela defendeu a formação de intermediadores culturais no serviço público, para contornar as barreiras idiomáticas que dificultam a comunicação com as estrangeiras.
Deputadas cobram atendimento à população migrante
A presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, deputada Ana Paula Siqueira (Rede), que solicitou a realização da audiência pública, defendeu que Minas Gerais precisa fomentar estratégias de atendimento e de garantia de direitos da população migrante. “Precisamos superar a lógica do ‘nós contra eles’. Todos somos seres humanos e precisamos ter nossos direitos básicos garantidos”, afirmou.
A deputada lembrou que cerca de 58 mil imigrantes vivem em Minas Gerais e destacou que as mulheres negras refugiadas são as que mais sofrem com a desigualdade, o preconceito e a falta de políticas públicas.
“Essas mulheres são expostas à violência e à exploração sexual e enfrentam perigos e longas jornadas para chegar a um lugar onde possam viver em paz. Precisamos garantir uma estrutura de acolhimento para essas pessoas”. Ana Paula Siqueira, Dep. Ana Paula Siqueira
A 1ª-vice-presidenta da ALMG, deputada Leninha (PT), concordou que são as mulheres as que mais sofrem com a ausência de políticas públicas para migrantes. Ela é autora do Projeto de Lei (PL) 3.200/21, que institui a política estadual para a população migrante e aguarda parecer de 2º turno na Comissão de Direitos Humanos.
Mas, na avaliação da parlamentar, não basta transformar em lei essa política pública. Ela destacou que o Estado precisa garantir recursos para a execução de ações voltadas para essa população. “Ou fazemos um pacto pela proteção das vidas dos migrantes e refugiados ou ficamos nessa conversa de pouca ação e iniciativa. Pragmatismo é fundamental”, defendeu.
O diretor do Departamento de Migrações da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, Alexandre Norberto Canuto Franco, disse que o plano de atenção a migrantes, refugiados e apátridas está sendo elaborado e deve ser finalizado em breve. Ele informou que o Estado promove a capacitação de servidores para trabalhar com esse público e pediu o apoio dos deputados para destinarem recursos de emendas parlamentares para capacitar entidades da sociedade civil.
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