Programação audiovisual, toda gratuita, será no Centro de Convenções e na Praça Tiradentes, em Ouro Preto, e pela plataforma cineop.com.br; entre as sessões, a Mostra Histórica resgata duas décadas de produção indígena e revela um dos recortes mais pujantes e estimulantes da realização cinematográfica no país.
De volta ao presencial depois de anos, a CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto chega à 17a edição com uma programação de 151 filmes, entre pré-estreias contemporâneas e mostras temáticas. Serão exibidos 20 longas, 14 médias e 117 curtas-metragens, vindos de 8 países (Brasil, Argentina, Bolívia, EUA, Israel, Peru, Rússia, Uruguai) e de 21 estados brasileiros (AC, AL, AM, AP, BA, CE, DF, ES, GO, MA, MG, MT, PA, PB, PE, PR, RJ, RR, RS, SC, SP), distribuídos em oito mostras: Contemporânea, Homenagem, Preservação, Histórica, Educação, Mostrinha e Cine-Escola. A grade ainda será acompanhada, ao longo de seis dias de evento, de debates, seminários e atividades complementares que dialoguem diretamente com a experiência dos filmes. As exibições vão ser no Centro de Artes e Convenções e na Praça Tiradentes, em Ouro Preto, e também online, em cineop.com.br. Toda programação é gratuita.
MOSTRA HISTÓRICA
O recorte desse ano se dá a partir da proposição “Cinemas Indígenas: Memórias em Transmissão”. Nos últimos 20 anos, vivencia-se uma transição progressiva para a autocriação de filmes de povos indígenas, sem interferências de não-indígenas na construção da estética e da linguagem, o que traz a percepção e recepção cada vez mais amplas das singularidades formais dessa produção. A curadoria de Cleber Eduardo atentou para isso e fez seu recorte a partir dessa autêntica novidade no cenário de produção brasileiro. Houve o movimento deliberado de se evitar um recorte puramente histórico, como se convencionou em outras edições, e priorizar universos fílmicos que soassem mais urgentes e palpitantes.
“Foi como cheguei na produção indígena, ao perceber que ela sempre foi tratada um tanto na paralela do cinema brasileiro, e nunca tanto agregada ao cinema brasileiro. Então me interessava mergulhar nesses filmes e detectar mudanças de fases e traços de singularidade ou, no nosso palavrório branco-ocidental, alguma autoralidade”, comenta o curador. Da empreitada, ele recortou 35 títulos que estão na programação da CineOP, de 17 povos distintos. “O que vejo nessa programação são dois grandes grupos de filmes muito particulares: os que giram em torno da terra, do território, das demarcações, das invasões, nos quais a presença branca é sempre o inimigo, sejam atritos do passado ou do presente; e os que trabalham a resistência de certas tradições, rituais e reelaborações identitárias a partir de suas espiritualidades”.
A partir disso, Cleber elaborou títulos para as sessões: Políticas da imagem e terras em disputa, que inclui filmes como “Já me Transformei em Imagem” (Zezinho Yube, 2008) e “Zawxiperkwer Ka’a – Guardiões da Floresta” ( Jocy Guajajara e Milson Guajajara, 2019); e Mitos, espíritos e a vida, que conta com trabalhos como “Nguné Elu: O Dia em que a Lua Menstruou” (Takumã Kuikuro, Maricá Kuikuro, 2004) e “Watoriki Xapiripë Yanopë: Casa dos Espíritos” (Morzaniel Iramari, Dário Kopenawa, 2010).
A homenagem à dupla de cineastas M’bya Guarani: Kuaray (Ariel Ortega) e Pará Yxapy (Patrícia Ferreira) inclui diversos filmes realizados por eles, incluindo os títulos da abertura oficial, na noite de 23 de junho: “Bicicletas de Nhanderú” (2011) e o curta-metragem “Nossos Espíritos Seguem Chegando – Nhe’e Kuery Jogueru Teri” (2021).
MOSTRA PRESERVAÇÃO
Os filmes da Mostra Preservação se atentam aos trabalhos audiovisuais que, como definido por uma das curadoras, Fernanda Coelho, são “objetos de memória, que são estudados para educar e fazer história, que perpetuam suas reflexões”. Para Fernanda e Daniela Giovana Siqueira, também curadora, a temática “Memória audiovisual no Brasil: resistência e resiliência no tempo” permitiu a elas que, a partir da questão indígena como símbolo de luta e permanência no tempo, descobrissem um universo grande e invisibilizado. “Entramos em contato com a produção de periferias, de imigrantes, de MST, que se espalharam pelas sessões e pelas mesas de debate. Uma produção que não é tão visível como os filmes mais ‘oficiais’, e sim de grupos invisibilizados”, diz Fernanda.
Serão então tratados e exibidos na CineOP filmes de núcleos ligados a povos indígenas, movimento de sem-terra, LGBTQIA, imigrantes, comunidades, movimentos negros e outros. “Temos duas vertentes: trazer as pessoas que estão pensando em guardar e preservar essas produções; e a preocupação técnica de como fazer isso”.
Na programação de filmes da Preservação, o espectador em Ouro Preto tomará contato com alguns trabalhos que nem mesmo a autoria se faz conhecida, por se apresentarem como formas de registro fora dos cânones, como é o caso de “Viagem a Manaus” (título atribuído, direção desconhecida), que integra o programa de cinco filmes silenciosos em bitola 9,5mm do acervo do Laboratório Universitário de Preservação Audiovisual da Universidade Federal Fluminense, digitalizados pelo próprio Lupa-UFF, entre 2021 e 2022, a partir da constituição de uma estrutura interna para digitalização de filmes de arquivo.
Além destes, a Mostra Preservação traz à luz processos de restauração e resgate de filmes importantes, ou que tenham a memória como elemento constituinte de sua feitura, como “São Paulo em Hi-Fi” (Lufe Steffen, 2013), que resgata histórias das noites gays em São Paulo nas décadas de 1960, 1970 e 1980 e a relação com a ditadura e a explosão do vírus HIV; e “Cine Marrocos” (Ricardo Calil, 2021), no qual tem-se a história de sem-teto, refugiados africanos e imigrantes latino-americanos que ocuparam o prédio de um antigo cinema do centro de São Paulo e o processo artístico que os transformou em estrelas de cinema.
Por fim, há a sessão especial de “História da Guerra Civil” (Dziga Vertov, Nikolai Izvolov, 1921-2021), que recupera um dos filmes perdidos da Rússia pós-revolução e dirigido por um de seus maiores nomes. Conecta-se ainda a essa exibição o case de restauro online: A Guerra Civil na Rússia pela Câmera de Dziga Viértov e o Restauro do Filme 100 Anos Depois – com Nikolai Izvolov, responsável pela organização, reconstituição e restauração da obra.
MOSTRA EDUCAÇÃO
Este ano acontece, na Mostra Educação, houve o movimento de aproximar o cinema ameríndio dos processos educacionais num momento de “audiovisualização da vida” por conta da pandemia, como afirma Adriana Fresquet, curadora, junto com Clarisse Alvarenga. Um dos destaques é a série “La Combi del Arte: Dicionários Audiovisuais Comunitários”, desenvolvido pela convidada peruana Teresa Castillo com o objetivo de revitalização das línguas indígenas. “Ela viaja produzindo, com as comunidades nativas, uma série de ações para fortalecer e revitalizar as respectivas línguas a partir do aprendizado e técnicas audiovisuais”, conta Fresquet. Parte desse trabalho de Castillo será apresentado nas sessões dos “Dicionários” na CineOP, assim como na masterclass da própria realizadora.
A presença do documentarista e professor boliviano Miguel Hilari inclui na CineOP alguns de seus trabalhos mais essenciais: “O Curral e o Vento” (2014), que se conecta à origem aymara do cineasta por meio de imagens e sons que evocam o tempo e espaço andinos; e “Companhia” (2019) e “Bocamina” (2020), de clara inspiração nas suas origens e na defesa da educação do campo. “Ele estará conosco também contando seus processos de criação e os processos de formação que realiza com jovens na Bolívia”, adianta Adriana Fresquet.
Ainda conectada a atividades extras – no caso, a masterclass da professora e realizadora argentina Aldana Loiseau sobre processos de criação envolvendo a técnica da animação, em que os elementos a serem animados estão vinculados à terra –, haverá também as sessões de filmes Tierra Animada e Pacha: Somos Barro, que mostram seus trabalhos em stop motion.
MOSTRA CONTEMPORÂNEA
Os filmes da Mostra Contemporânea tiveram curadoria de Camila Vieira, a partir de mais 1.000 curtas inscritos e 57 médias, dos quais estarão em Ouro Preto 28 curtas e um média, incluindo três sessões na Praça, espaço tradicional das exibições na CineOP. Numa relação com a temática geral do evento, a curadoria selecionou, em especial para a praça, documentários em torno de personagens que contam a história de um lugar ou de lutas, como “Santo Rio” (Lucas de P. Oliveira e Guilherme Nascimento), que resgata São Sebastião do Soberbo, comunidade destruída para a construção da Usina Hidrelétrica Candonga, em Minas Gerais. Ou “Central de Memórias” (Rayssa Coelho e Filipe Gama), sobre quatro mulheres sobre um bairro de Vitória da Conquista (BA) e o encontro com o universo do cinema nos anos 1990.
Camila também destaca documentários que recuperam lembranças de famílias a partir de registros domésticos. “São atravessamentos que tentam restaurar relações que já se foram e são reconstruídas pela experiência dos filmes”, diz ela. Entre esses trabalhos, estão “Sei que é Tudo Memória” (Nathália Oliveira), no qual a diretora faz um processo de luto e afirmação da vida a partir da morte dos pais; e “O Lugar que Somos” (San Marcelo), em que a personagem se vê num dilema, após ser demitida, entre o sonho de ser dançarina profissional ou ficar perto da família e enfrentar os problemas diários agravados pela condição física da mãe.
“Para a programação on-line da mostra, pois parte da programação será híbrida, temos duas sessões de recorte mais conceitual”, adianta Camila Vieira. Ela se refere à sessão Preservar a História e seus Registros, composta por cinco curtas-metragens: “Quem de Direito”, de Ana Galizia; “Ressaca”, de Andrea França; “Ensaio sobre Abismos ou as Imagens que Resgastei de Algum Lugar da Minha Mente”, de Rafael Luan; “Carta para Glauber”, de Gregory Baltz; e “Cinzas Digitais”, de Bruno Christofoletti Barrenha.
Novamente em parceria com a TV UFOP, a 17a CineOP conta ainda com duas sessões de curtas brasileiros realizados em universidades, escolas de cinema ou núcleos de formação em audiovisual, apresentados na plataforma do evento e na grade da TV Ufop.
Foto: Divulgação