Dez anos após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, atingidos afirmaram que persistem falhas graves no processo de reparação e compensação conduzido pelo novo acordo firmado em 2024. O tema marcou a audiência pública realizada na última quinta-feira (27/11), pela Comissão Interestadual Parlamentar de Estudos para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio Doce (Cipe Rio Doce), composta por parlamentares de Minas Gerais e do Espírito Santo.
Representantes de diferentes comunidades da Bacia do Rio Doce denunciaram que a falta de participação efetiva das populações atingidas nos processos decisórios tem resultado em ações desconectadas da realidade territorial e das necessidades mais urgentes das famílias.
Comunidades apontam ausência de diálogo e violações de direitos
Para Mônica dos Santos, da Comissão dos Atingidos de Bento Rodrigues, as ações previstas pelo acordo de repactuação se mostram “midiáticas”, mas não respondem às demandas reais dos territórios afetados. Ela citou, como exemplo, a utilização de recursos para obras na rodovia entre Mariana e Belo Horizonte.
“Nossas comunidades não têm sequer estradas ligadas a essa rodovia”, afirmou. Mônica também relatou que diversas casas entregues aos atingidos apresentam infiltrações, rachaduras e defeitos estruturais.
A representante lembrou ainda que os atingidos enfrentam dificuldades para garantir presença nas reuniões, realizadas quase diariamente. “Somos os únicos desses encontros sem salário para participar”, disse.
Vitor Souza Sampaio, da Secretaria-Geral da Presidência da República, confirmou que a União tentou incluir as comunidades nas negociações da repactuação, mas teve o pedido negado judicialmente. Para minimizar o problema, foi criado um mecanismo de controle social por meio do Conselho Federal de Participação Social, que acompanharia a implementação das ações, com previsão de R$ 5 bilhões destinados à participação popular.
Reivindicações incluem território, reconhecimento e acesso à água
Moradores relataram ainda perdas de identidade, memória e modos de vida, além de dificuldades para comprovar atividades econômicas afetadas pelo desastre, como agricultura e pesca.
“Como comprovar se tudo ficou debaixo da lama? As plantações, as fotos, as histórias, tudo”, questionou Mônica, pedindo que cadastros anteriores sejam considerados.
No Espírito Santo, Deyse Lourenço, de Regência, denunciou que comerciantes e artesãos, reconhecidos como atingidos em acordos anteriores, foram excluídos da repactuação de 2024.
O pescador Renato Correia alertou para a qualidade da água em municípios como Itueta e Resplendor, onde os rejeitos se acumulam. Segundo ele, análises recentes feitas pelas mineradoras não foram divulgadas, gerando insegurança. Renato criticou ainda o prazo dos auxílios aos pescadores:
“Se o dano vai levar 20 anos para ser reparado, como a ajuda pode acabar em três?”
Simone da Silva, da Comissão dos Atingidos de Barra Longa, demonstrou preocupação com o fim dos repasses para aluguel em dezembro. Ela também contestou a oferta de inscrição no Minha Casa, Minha Vida:
“Os atingidos é que vão pagar pelas casas? Então eles que vão reparar os danos das mineradoras.”
Deputados criticam falhas e alertam para impactos de privatização
Os deputados Leleco Pimentel e Ricardo Campos (PT), e a deputada Bella Gonçalves (Psol), afirmaram que trabalharão para que as reivindicações sejam incorporadas ao processo e cobraram correções no acordo.
Parlamentares também manifestaram preocupação com a intenção do governo mineiro de privatizar a Copasa, apontando conflito com os R$ 7 bilhões previstos para saneamento básico na Bacia do Rio Doce.
Governo estadual apresenta panorama das ações
Após ouvir as denúncias, Gabriela Brandão, representante da Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag), apresentou um panorama do andamento das ações de reparação. Ela destacou a criação da Instância Mineira de Participação Social, com 20 membros — 6 do poder público e 14 dos territórios — cuja inauguração está prevista para o dia 28.
Gabriela afirmou que não há verba específica para participação popular no âmbito estadual, e que os R$ 5 bilhões indicados no acordo seriam de responsabilidade da União. Ela detalhou ainda investimentos em saneamento, saúde e infraestrutura, e informou sobre a entrega próxima de equipamentos agrícolas e obras rodoviárias.
Segundo a Seplag, ações compensatórias do governo estadual incluem R$ 8,9 bilhões direcionados diretamente aos territórios atingidos, além de R$ 2 bilhões para investimentos em todo o estado. Entre os projetos, também foi citado o fundo perpétuo para a pesca, que deverá beneficiar pescadores ao longo dos próximos anos.
O debate reforçou que, mesmo após uma década, a reparação segue marcada por conflitos, atrasos e desafios estruturais — e que a participação efetiva dos atingidos segue como principal demanda e condição essencial para a reconstrução dos territórios.
Foto: ALMG / Divulgação