No mês em que se celebra o Dia Mundial de Combate ao Bullying, especialistas reforçam que as agressões sofridas na infância — físicas, verbais ou emocionais — podem deixar marcas profundas e duradouras. As consequências desse tipo de violência ultrapassam os muros da escola e podem impactar diretamente a autoestima, os relacionamentos e até a trajetória profissional de quem foi vítima.
De acordo com a UNESCO (2019), um em cada três estudantes no mundo afirma ter sofrido bullying. O que muitas vezes é tratado como uma simples “brincadeira de criança” é, na verdade, uma forma de violência psicológica repetitiva, capaz de afetar o desenvolvimento emocional e social.
“O bullying mina a percepção de valor pessoal. Muitas dessas crianças crescem acreditando que não são boas o suficiente, que precisam agradar para serem aceitas ou que qualquer erro as tornará alvo de rejeição novamente”, explica Josiele Sena, psicóloga especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e Gestão de Pessoas.
Marcas que atravessam o tempo
As feridas emocionais deixadas pelo bullying na infância costumam se manifestar na vida adulta em forma de padrões automáticos de comportamento. Entre eles estão o medo excessivo de críticas e rejeição, a necessidade constante de aprovação, a dificuldade em impor limites, o perfeccionismo e o isolamento social.
No ambiente de trabalho, essas questões podem gerar insegurança, medo de errar e dificuldade em lidar com feedbacks, prejudicando o desempenho e o crescimento profissional.
A dor emocional e suas bases no cérebro
Pesquisas científicas mostram que a exclusão social ativa as mesmas áreas cerebrais relacionadas à dor física, como o córtex cingulado anterior. Essa sobreposição ajuda a compreender por que a rejeição emocional é sentida com tanta intensidade.
Estudos publicados na American Journal of Psychiatry e na JAMA Psychiatry apontam que adultos que sofreram bullying na infância têm maior propensão a desenvolver ansiedade, depressão e transtornos de estresse pós-traumático — mesmo décadas depois. Uma revisão sistemática na revista Psychological Medicine indica que os efeitos psicológicos podem ser comparáveis, ou até mais graves, do que os causados por maus-tratos físicos.
“O cérebro aprende a associar rejeição a perigo. Mesmo em situações neutras, a pessoa reage como se estivesse sob ameaça. É preciso trabalhar essas memórias para quebrar padrões e construir relações mais saudáveis”, explica Josiele.
Reconstruindo a autoestima
Segundo especialistas, o tratamento psicológico é um passo fundamental para a superação. A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) ajuda a identificar e reestruturar crenças negativas formadas na infância, permitindo ao indivíduo desenvolver novas formas de pensar e agir.
Abordagens complementares, como a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) e práticas de autocompaixão, também têm se mostrado eficazes na redução da vergonha e da autocrítica.
“O processo terapêutico é um espaço de reconstrução. É onde a pessoa reaprende a se enxergar com gentileza e entende que seu valor não depende da aprovação de ninguém”, conclui a psicóloga.
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